
Você conhece este termo: healing book? Podemos chamar também de literatura de cura. Mas o que é isso e por que tantos livros com essa tendência têm feito sucesso nas prateleiras das livrarias? Venha e vamos conversar um pouquinho.
Não há como negar, há por todos os lados capa de livros com gatos e cores fofas. Basta entrarmos em uma livraria, seja ela as menores ou as grandes de rede, que é possível encontrar uma pilha de livros com gatos. Em sua maioria são livros orientais, porém podemos ver também franceses, americanos, ingleses e provavelmente um ou outro de nacionalidade diversa.
A tendência do healing book é uma febre nacional, ou melhor, internacional. Li muito a respeito e, claro, ouvi muitos podcasts também. Entretanto as explicações que sempre me dão sobre essa nova trend, apesar de totalmente verdadeiras, não dão conta, na minha opinião, de bater o martelo do real problema que estamos vivendo.
Opa, surge o alerta. Chamei o healing book de problema? Calma, não foi isso, e vou ao decorrer do texto explicar. E também indicar alguns dos livros que já li dessa lista tão querida e aclamada na atualidade.
Vamos começar do começo, o que é o healing book?
O healing book traz histórias leves, que podem ser lidas em qualquer lugar, que se passam em ambientes que têm uma atmosfera acolhedora, como bibliotecas, cafés, livrarias, com algumas variações. Personagens sem muita profundidade e que encontram respostas sobre suas dores em coisas simples da vida, como conversas com estranhos, passeio pela cidade, uma fotografia antiga. Histórias que retomam uma vida mais desconectada e com contato com pessoas mais anciãs.
Os livros, em sua grande maioria, trazem a moral da história bem explicada, não há grandes aventuras e nem reviravoltas. O número de personagens não é alto e a profundidade de cada um tampouco é grande. São livros fáceis de ler e entender, entender diretamente o que se tem ali, nas páginas, sem muita margem para interpretações diversas.
E de onde o grande sucesso do healing book?
Uma explicação que é fácil de encontrar comprovação: os países orientais trabalham há alguns anos para ganharem os corações do mundo. E a arte é uma, se não a melhor, forma de espalhar uma cultura. Nas músicas, no áudio visual, nos livros, os orientais chegaram com tudo. E na literatura o que vem a frente disso é a cultura do healing book. Até o Japão, que normalmente nos mostrava uma literatura mais sombria e mágica, tem se colocado nesse mercado ( os mangás japoneses ainda seguem uma linha mais tradicional). Eles estão sendo bem sucedidos nesta empreitada.
Outro ponto interessante é o investimento em leitores de jovens, que falam dessas histórias nas redes sociais, em especial no Tik Tok. O que beira a uma ironia, tendo em vista que os livros pregam justamente uma vida mais lenta e plena.
As capas são sempre fofas e muito acolhedoras, com ilustrações do cenário onde tudo vai se desenrolar, o leitor não precisa imaginar ou ler a descrição do local. Capas com cores que chamam atenção e acalentam os olhos. Cores de conforto.

É muito comum a presença de um gato. A figura do gato é extremamente inteligente e curiosa. A princípio, os gatos eram mais mal vistos aqui no ocidente do que no oriente. Na idade média os felinos começaram a ganhar má fama por terem sido associados às mulheres consideradas feiticeiras. O que, na minha opinião, fala bem deles.
Por outro lado, no Oriente eles são considerados benfeitores e, até hoje, são muito bem quistos, e vistos figuras de aconchego. Desta forma, esses livros estão até a restaurar a reputação destes animais tão fofos. Tanto que os adolescentes de hoje, amam livros com gatos na capa, eles estão virando símbolo de fofura e acolhimento. Algumas vezes os gatos nem fazem parte da história daquele healing book específico, mas um gato pode passear por aquele cenário, por que não, né?
A vida e as formas de nos mantermos em equilíbrio
Que a vida está caótica, muitas mudanças que não nos trazem esperanças, guerras, incêndios, enchentes, correria sem fim para dar conta de tudo, tanta que dá inveja até em atletas dos 100 metros rasos do atletismo. Falta de emprego em boas condições, falta de encontro com os amigos, encontros de qualidade, com trocas verdadeiras e sinceridade. Disputa constante por ser o mais feliz das redes sociais. E tudo isso mexe e revira a cabeça de qualquer um. Isso tudo a gente sabe, não é verdade? E para sobreviver cada um inventa, ou tenta inventar, ou finge mesmo, uma forma de ir lavando as coisas bem e sorrindo.
E biblioterapia, você conhece? Em que ela diferencia do healing book?
Ler livros é visto há muito tempo como atividade de calma, tranquilidade e silêncio. Uma atividade que estimula a imaginação e a empatia. E a Biblioterapia não é nova como tratamento de alguns males.
Desde de 1941 já aparecia no Dicionário Dorland`s Illustrated Medicinal Dictionary como emprego de livros e de sua leitura no tratamento de doenças mentais. E antes disso, em 1904, Kathleen Jones, bibliotecária chefe do Hospital Mclean em Belmont, Massachusetts, se tornou a primeira profissional a praticar como parte de suas tarefas oficiais a biblioterapia com pacientes. Além disso, já no antigo Egito, o faraó Rammsés II, colocou em sua biblioteca a frase: Remédios para a alma ( https://www.scielo.org.mx/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0187-358X2020000400033 ).
Ou seja, o reconhecimento de livros como auxílio aos martírios da vida, em geral, desde o mais vendido, a bíblia, aos guias de viagens, passando pelos clássicos russos, pelos clássicos brasileiros ou por todos os nossos contemporâneos já é coisa antiga, e inclusive bastante documentada. Então, por que razão agora temos o healing book como se fosse uma coisa nova e moderna e feita para os jovens das redes sociais?
Pode ser uma resposta polêmica e que gere problemas com comentários não muito queridos aqui. Por outro lado, acho bastante claro que simplesmente desaprendemos a ler. Não sou absolutamente contra o que se chama de literatura de entretenimento. Muito pelo contrário, sou uma incentivadora que os livros sejam parte do lado leve e lúdico da vida. Existem livros para todos os instantes da nossa existência, e assim deve ser.
Acredito que o autor que ganha dinheiro vendendo livros “comerciais”, é um profissional como tantos outros. Ele está certíssimo e está trabalhando para o bem da literatura, tendo em vista que está trazendo cada vez mais gente para o lado dos livros. E vejam, nem todo livro leve é healing book. Não é esse o ponto aqui. E muita gente vê entretenimento em livros nada leves.

Cada livro, cada história pode curar uma pessoa de uma dor só sua ou coletiva. Para isso é preciso conexão, compreensão e uma leitura mais profunda ( aliás também existe o termo deep reading que podemos falar depois aqui).
O que acontece que hoje em dia, a maioria de nós acha que não tem tempo para nada. Entretanto, o que tem de gente com tempo de olhar redes sociais é absurdo. O que a humanidade quer é ler rápido, entender rápido, quer receber de bandeja um pensamento pronto e de fácil digestão. Por que vou perder meu tempo lendo nuances, interpretado de maneiras diferentes a mesma história, se posso ler rapidamente uma cena e no final ela ainda me entregar a moral da história?
Não tem mal algum ler o healing book, o que não podemos é perder nossa capacidade de encontrar cura nos livros de dor, amor, nas ficções científicas. A cura está na conexão, está no aumento de empatia por uma gama diferente de seres humanos, está em ver lados da vida que não conheceríamos através dos livros, está no laço que criamos entre as nossas vidas e as vidas das personagens, sejam elas as mais fantasiosas ou reais. Todo livro pode tocar fundo no seu coração, na sua mente, basta que estejamos no tempo certo e o leiamos com atenção e coração aberto.
A vida não é mais difícil hoje em dia do que era na época dos Faraós. Acredita mesmo que seu trabalho é mais complicado do que construir pirâmides sem a tecnologia atual? O mundo não está mais egoísta. Acredita mesmo que o genocídio de indígenas no século XVI foi feito por gente super empática? O que temos é que agora estamos nos distanciando do nosso poder de compreensão e imaginação. E o que isso pode causar? Infelizmente, não consigo intuir coisas boas, mas podemos acreditar! Que o healing book nos ajude!
E para não dizer que estamos aqui só reclamando deixarei dicas de livros de cura que podem deixar seu coração mais quentinho.
A inconveniente loja de conveniência
Biblioteca dos sonhos secretos
Temporada de cura no ateliê Soyo
A lanterna das memórias perdidas
E se você gostar muito dessas dicas especiais de healing book, se anime porque 3 deles fizeram tanto sucesso que têm continuações.
A verdade é que o importante é ler. Em um país onde o número de compradores de livros só cai, assunto que já falamos no blog, precisamos focar em fazer os leitores encontrarem o que gostam de ler, sempre há algo para você no mercado literário.
Outra verdade é que tem momento para todos os tipos de leitura, seja healing book, seja terror ou livro científico. Apenas não podemos cair nas armadilhas das tendências que, assim como os algoritmos, nos impedem de conhecer a diversidade existente no mundo, que nos permite sermos mais completos, empáticos e até nos conhecermos melhor através de olhos de personagens muitas vezes muito complicados. E isso é ou não também um “healing”?
Comentário